quarta-feira, 26 de março de 2008

Tem que ter feeling...

Decidiu que nao ia trabalhar hoje. Alias havia decidido isso na noite anterior e por isso acordou mais tarde. Abriu os olhos e inspecionou a porta entreaberta do seu quarto. Afundou sua cabeça no travesseiro. Pôde sentir distante o cheiro do seu perfume que há tempos nao se misturava com nenhum outro. Filosofou. Pensou nos ácaros que estava inalando. Volveu a cabeça e se fechou. Algum som ruidoso passava pela fresta da porta. Havia vida lá fora. Havia angustia aqui dentro. Fazia frio e o tempo se misturava à sua solidão. Determinada se levantou e pensou que nada daquilo acontecia, olhou para algumas peças de roupas sujas e ainda de pijama recolheu todas numa volúpia nunca vista, correu para area de serviço abriu a lavadora socando os tecidos, agora multicores, para dentro do bojo. A primeira lágrima começa a lavar seu corpo antes da lavadoura de roupas, que continuou desligada. Aquilo nao estava acontecendo, cuspiu. Um banho, sim, um banho seria a solução. Seguindo para o banheiro é tomada de susto pelo alarme estridente do telefone. Sabia que era do trabalho. Arrancou o fio da linha telefonica e pensativa balbuciou que com isso já havia feito algo pelo trabalho no dia de hoje. A segunda lágrima explode.
Entra no banheiro, que cheirava azuleijo umido e flores mortas, olha-se no espelho da pia. Seus olhos estavam vermelhos e ela mal se conhecia. Aos poucos se desnuda. Era magra, mas nao ossuda, sua pele alva deixava à mostra algumas veias que insistiam em colorir algumas partes de seu corpo. Tinha a pele lisa, como que por anos a fio deixasse escorrer os sentimentos e alegrias e sensações. Lembrou do perfume no travesseiro. Era o mesmo perfume por anos. Quis mudar. Seus seios ponteagudos e médios gritavam. Insastifeita pensou no silicone. E no perfume. E na porta entreaberta. A terceira lágrima faz seu desfile, contornando a maçã do rosto e desviando seu trajeto para longe da boca. Talvez seria para nao salgar o beijo. E o beijo foi dado no espelho.
Abre a torneira da agua. Sentada no chao balança seus braços dentro da banheira esperando seu enchimento. E percebe-se voltando num túnel para longe dali. Absoluta. Permitindo as sensações tomarem seu corpo ela flutua. Os olhos cerrados tentam conter as lagrimas que saem desordenadamente, como que em competição com a agua da banheira. Seu corpo arrepiado de frio se torna fragil e seco. Os seios se fazem bem maior que seu coração. Está sozinha. Tarde demais. Purificada, entra na banheira - a agua parece mais limpa. Deita-se. E pela primeira vez sente o cheiro de outro perfume que nao o seu. As cores se fazem vivas. Algum calor estranho pulsa em seu peito. A doce Morte a abraça.

Brunno Mabub

Nenhum comentário: